Os talentos da próxima década estão às vésperas de ingressar na universidade ou cursam agora seus primeiros anos. Boa parte deles nasceu depois do ano 2000 e vai chegar ao mercado de trabalho com crenças, valores e hábitos estranhos para a empresa onde você trabalha. Se você não souber lidar com as diferenças para recebê-los, esses talentos não farão lá tanta questão de insistir para serem aceitos, mesmo diante de uma grande marca. E serão capazes de criar uma startup hábil o suficiente para devorar modelos de negócios tradicionais, inclusive o da sua empresa.

No Brasil aliás a crise pode impulsionar a livre iniciativa, mas não é a única razão pela qual jovens se dispõem a abrir o próprio negócio. Uma pesquisa da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan) identificou que dois a cada três jovens na faixa entre 25 e 35 anos pensam em caminhar com as próprias pernas. Entre os entrevistados brasileiros, por exemplo, 76,4% buscam realizar um sonho, 75,6% querem mais qualidade de vida, 70% almejam altos ganhos financeiros e 64,5% desejam a liberdade de viver sem chefe. Foram ouvidas 5.681 pessoas de nove cidades do mundo, incluindo Rio e São Paulo.

O sonho dos jovens de se dedicar a projetos autorais pode sugerir às empresas a necessidade de garantir mais autonomia a seus funcionários, criando ambientes que favoreçam a criação e a colaboração. Os talentos da próxima década são pessoas que gostam de viver e trabalhar com amigos, não apenas aqueles do bairro ou da escola.

Pode ser o amigo que eles conheceram ao dividir uma carona no Uber ou o amigo virtual que mora do outro lado do mundo e frequenta a mesma comunidade onde debatem sobre marketing. Por isso reforçar confiança e transparência talvez melhore o relacionamento com essa geração, uma vez que na própria pesquisa da Firjan 68,3% admitiram ficar incomodados se tiverem que atuar ao lado de pessoas não éticas.

Se nos anos 1990 a conversa da globalização se concentrava na capacidade de governos e empresas romperem fronteiras, agora o próprio sujeito cuida de apagar as distâncias. Estudar fora mais cedo que hoje será um desejo comum dos talentos do futuro. Possibilidade de viajar, conhecer outras culturas in loco ou preencher vagas em escritórios no exterior será bem visto por eles, com inglês treinado no Youtube ou no Skype.

As fronteiras entre os cargos serão estranhas. As pessoas estarão acostumadas ao contato direto, sem intermediários, formalidades ou estruturas hierárquicas. Assim como nas redes sociais os usuários conversam ao clique do mouse, as empresas que favorecerem a integração de seus espaços e a livre propagação de ideias para o negócio sairão na frente.

Os talentos da próxima década vão preferir fazer outra coisa na vida do que continuar a perder tempo com você

As barreiras impostas pela burocracia corporativa e os processos confusos tenderão a espantar talentos. Muitas vezes autodidatas e simpáticos à cultura do-it-yourself, esses profissionais não terão paciência de esperar por soluções da geração mais antiga – que via de regra não se dá conta da ansiedade dos jovens, ou quando se dá conta já deixou escapar meia dúzia de talentos. Sem um plano de carreira claro, eles vão preferir fazer outra coisa na vida do que continuar a perder tempo com você. E não vão demorar muito.

Até porque os talentos da próxima década serão tão desapegados do cargo que o trabalho vai ser de fato apenas mais um detalhe na vida deles, não podendo prejudicar o sono, o tempo com a família, nem a tranquilidade. Por isso vão dar preferência a horários flexíveis, possibilidade de trabalhar fora do escritório e até a selecionar os clientes com quem preferem atuar, de acordo com seus valores e crenças.

Mochila vale mais do que carteira

Além disso, poderão ter ótimos benefícios e salários, mas caso acordem um dia imaginando que a empresa não atende mais a seus propósitos não vão pensar duas vezes: abrirão mão do salário e da carreira por alguns meses para refletirem sobre a vida como mochileiros.

Nesse tempo, caso não tenham dinheiro para tamanha aventura, vão trocar sua força de trabalho por hospedagem, vender o carro ou alugar o apartamento no Brasil para financiar o passeio. Durante a viagem, turismo será apenas uma das atividades. Eles vão realizar trabalho social e visitar comunidades fora dos roteiros tradicionais na África ou no sul da Ásia, buscando novas experiências. Se estiverem gostando do emprego, porém, tentarão a possibilidade de conciliar a viagem com o trabalho remoto, dando ideia de iniciar um novo projeto para a companhia, só que à distância.

E se esse talentoso colaborador tiver filhos? Não precisará de residência fixa para as crianças frequentarem a escola? A resposta é que muitos dos talentos da próxima década podem até casar, mas não terão filhos. E se tiverem filhos é bem possível que prefiram outros modelos de educação básica, diferentes da escola como conhecemos hoje e talvez ainda nem inventados.